terça-feira, 31 de julho de 2012

Relato de Ocorrências Anômalas II


"A curiosidade poderia ser uma característica comum na minha infância, não fosse ela um tanto exagerada e voltada a coisas incomuns para minha idade. Fui alfabetizada antes da idade escolar em meio a adultos que formavam classe única. Tinha entre cinco e seis anos.  Então, buscava os livros de Ciências, Botânica e Biologia para ler. As imagens eram pra mim bem explicativas. Palavras pouco usadas em nosso vocabulário eu procurava no dicionário que depois, passou a ser minha única leitura por muito tempo. Logo após, fazia a leitura de enciclopédias onde haviam pequenas biografias de várias pessoas que destacaram-se no meu país e no mundo. Queria saber tudo e como tudo foi inventado e por quem. Por um período ficava horas lendo a lista telefônica.. Não tínhamos muitos livros acessíveis e tinha uma fascinação pelo nome das pessoas e seus endereços. Observar a espessura da lista, o tamanho da fonte que usavam para a impressão dos nomes e seus endereços, formando aquele emaranhado de letras, dáva-me uma noção de quantas pessoas existiam por metro quadrado... Quanta gente delimitando seu pequeno território.
Ler e ohar imagens passou a ser algo exaustivo e vago. Minha mãe cobrava meu desinteresse em brincar ao sol. Passei a colher amostras de folhas, colá-las em papéis e anotar o nome da planta a que pertenciam. Pegava o óculos de meu pai para usar como lente de aumento e assim poder observar as texturas das folhas. Comparava aqueles pequenos veios com a pele. Em minha mente, folhas eram um tipo de pele. Foram muitas as vezes que tentei olhar dentro de uma folha... Fiz o mesmo com terra, pedras, até que comecei a recolher insetos. Antes de capturá-los, observava como se 'perdiam' das longas fileiras, como se comportavam dentro delas - tinha a impressão que uma que seguia comunicava algo para aquela que retornava - como podiam carregar algo aparentemente maior que o próprio corpo. Tentei também ver dentro delas.
Frequentemente eu era levada ao medico. Todo mês apresentava inflamação de garganta, tinha sempre uma baixa de glicose e precisava repor pela veia, acordava com marcas de sangue no nariz ou, ás vezes, não se sabia de onde vinha o sangue. Então, minha mãe vivia levando-me ao médico. Pelo bom comportamento, ganhava a espátula de madeira usava para examinar a garganta e a seringa com a qual eu tomava uma injeção. A seringa com a agulha. Com ela, injetava líquidos nos insetos para verificar a resistência do corpo. Não sabia como medir isso... Sabia que até determinada quantidade era suportável. Não tinha consciência do porque fazia isso, apenas sentia vontade de fazê-lo. Outras vezes, tentava dissecar insetos... Talvez dai minha habilidade em trabalhos manuais que exigem pequenos detalhes. Não encontrava muito dentro delas... E não compreendia como aquela grande porção de viscosidade branca poderia mantê-los vivos. Pensei comigo: é o sangue deles!
Em um período passei a encontrar muitas lagartixas mortas. Eram usadas para dissecação. Abria com cuidado usando as facas da cozinha ou as tesouras de minha mãe. E observava o interior. Comparava com as imagens do livro de Ciências onde havia o corpo humano. E tentava compreender onde os ovos cabiam ali dentro. Depois, as enterrava em um ritual similar ao dos humanos para após um período desenterrá-las e observar o estado em que ficavam.  Até que meu pai encontrou ovos de lagartixa. Abri um deles e  havia um 'feto' quase formado. Comparei com os fetos de animais e humanos. Todos são tão parecidos nos primeiros estágios! Os peixinhos do aquário que morriam e boiavam na superfície tinham o mesmo destino. E quando algum peixe fêmea estava prenha, era uma surpresa encontrar seus filhotes ainda vivos e tentar salvá-los. Jogava de volta no aquário, mas não resistiam...
Depois que comecei a ir para a escola, fui me desinteressando por tudo isso. Passei a fixar minha atenção nos rádios e TVs que meu pai consertava. Ele era um tipo de faz tudo e ás vezes, inventor. Vivia inventando coisas ou construindo outras com o que encontrava pela frente. Sempre que percebia que estava soldando placas de rádios ou manipulando fusíveis de TV eu ia observar. Ele ficava irritado pois, em certo momento minha cabeça já estava na frente, atrapalhando a visão dele. E perguntava tudo... O que erram aquelas peças pequeninas, e aqueles riscos que pareciam linhas ligando uma peça a outra. Na minha mente, as linhas eram as 'veias do rádio'. Queria saber com explicações detalhadas como era possível alguém que estava longe aparecer na TV. Como a voz poderia ser ouvida no rádio. Não me dava por satisfeira enquanto não me explicassem. 
Passava horas diante da TV em canais com 'chuvicos'. Pensava tantas coisas! Era uma valanches de perguntas! Isto ficou de lado quando um dia na escola, fui a primeira vez em uma biblioteca. As outras crianças ainda não sabiam ler e escrever como eu. Pegavam livros de contos de fadas com muitas imagens. Aatrvés das imagens construiam a história com a imaginação delas. Demorei horas para escolher o primeiro livro... Era como se fosse escolher algo que deveria ser meu pra smpre então, fui bastante seletiva. Então, meus olhos brilharam diante daquela capa bonita. Nela, expressa em todo seu explendor estava a máscara mortuária de Tutankamom. Nunca havia visto algo tão formidável. Foi este livro que escolhi. E vivia ansiosa pelo dia de voltar para a biblioteca para terminar a leitura. A professora aconselháva a ler algo mais adequado a minha idade. Mas já era tarde: estava fascinada pela história da descoberta do túmulo daquela pessoa. De sua pirâmide, das suspeitas de maldição e do arqueologo que o descobriu. O antigo Egito passou a ser meu interesse principal. Quando a leitura do livro acabou, busquei por algo mais aprofundado e não encontrei. Me satisfiz com uma coleção que falava de lendas: Bruxas, Fadas, Duendes, Gigantes e Dragões. Não eram também apropriados para minha idade, mas a curiosidade me levava a coisas que não eram muito comuns em meu convívio de pessoas completamente religiosas.
Foram elas que me fizeram a questionar sobre suas crenças. Na escola diziam que os índios acreditavam que o Sol era Tupã, Deus! Os religiosos diziam que Deus castigava as pessoas que faziam coisas erradas e as levava para o Inferno. Diziam também que ele estava em todo lugar e olhando tudo. Toda vez que eu me encontrava sozinha, ficava olhando para os lados.. Tentando imaginar se Deus estava ali me olhando também.
Para meus pais, até então, meu comportamento parecia normal. Acreditavam que eu tinha vocação para médico de animais e que era apenas uma curiosa, uma criança descobrindo o mundo. Passaram a se preocupar quando me encontravam escondida dentro do guarda roupas ou debaixo da cama, falando sozinha debaixo da mesa ou gritando e conversando com meu reflexo dentro do poço."

Nenhum comentário: