domingo, 22 de julho de 2012

Relato de Ocorrências Anômalas - I


"Até hoje o que aconteceu não tem explicação plausível. Minha mãe não se lembra de absolutamente nada. Para meu pai a única explicação é que eu fosse sonâmbula. Vez ou outra - quando já era noite - ele sempre lembrava minha mãe de esconder a chave da porta depois de trancá-la. Na infância tínhamos horário certo para dormir. Meus pais permaneciam acordados conversando entre si ou vendo TV ou ainda trocando as últimas palavras com os vizinhos. Era comum se surpreenderem comigo andando pela casa. Observavam atentos, mas tinham o cuidado de não me acordar. Havia noites que nada viam, mas se os chinelos estivessem todos trocados ao lado das camas já sabiam: o sonambulismo de Ana!
Eu tinha entre quatro e seis anos de idade. Quantas vezes ao certo dentro deste período eu não sei precisar. Duas das vezes eu me recordo perfeitamente. Devia ser madrugada pois todos dormiam. Entre 21:00 e 22:00 horas da noite naquele tempo já era madrugada. As pessoas acordavam com o nascer do dia e por isso dormiam muito cedo a não ser que a conversa se estendesse um pouco mais.
Estava eu de pé no quintal. Imóvel. Como se colocada ali  pois dali eu não saia. Exatamente naquele mesmo ponto. A única coisa que se movia em mim era a cabeça, de um lado para o outro, observando para me distrair enquanto esperava... O que eu esperava eu não sei! Vi a Lua cheia, quase prata. Parecia imensa. O topo das árvores diante de mim parecia mais uma enorme moita, pois estavam plantadas em um nível mais baixo do terreno. Havia uma sombra sobre elas, embora a Lua estivesse em toda sua resplandecência. Por um tempo meus olhos vasculhavam ali... Procurava por vaga-lumes. Olhava muito para o céu. Esperava. O silêncio era como um vácuo, quebrado - vez ou outra - pelo som dos grilos. Sentia um misto de emoções e uma avalanche de pensamentos me confundia. Eu não poderia estar ali naquele horário. Todos dormiam então, eu também deveria estar. Estava sozinha e nunca me deixavam só. Estava do lado de fora, meus pais jamais permitiriam. Não me lembro quanto tempo se passava afinal, era tão criança que não tinha noção de tempo. Mas, em certo momento minha cabeça infantil se dava conta de que eu não poderia estar ali e que meus pais não permitiriam tal coisa. Era exatamente quando eu tentava regressar pra dentro de casa. Seguia direto para a única porta de entrada. Não abria. Mexia com cuidado a maçaneta, pois temia que meus pais acordassem e brigassem comigo ao saber onde estava. Nada. Seguia para a lateral da casa onde havia um vitrô. Eu conseguia abrir, mas não podia passar por ali: além de estreita era alta do lado de dentro. Por fora era possível alcançar, pois ali havia uma longa escada que subia para o portão. Voltava para a porta na esperança de ter me enganado ou que - em um passe de mágica - a porta se abrisse sozinha. Nada. A única alternativa era chegar na janela do quarto onde meus pais dormiam. Eram aquelas janelas muito usadas antigamente, com frestas. Tentava olhar para dentro, mas só era possível enxergar algo de dentro para fora. Começava a chamar baixinho por minha mãe. Ouvia o ronco de meu pai quando  minha voz ficava mais alta. Tinha medo de acordá-lo. Ele ficaria apavorado em saber que seu bebê ficou do lado de fora. O tempo passava e eu ia deixando de me importar se todos acordariam ou se iam brigar comigo. Eu só queria entrar e não sabia como fui parar lá fora. E eu chamava! Chamava! E nunca soube como eu voltava pra dentro! Nunca soube quem abria a porta! Nunca entendi como acordava em meu berço."


Questionamentos:


◘[Sua mãe não se lembra de absolutamente nada mesmo sobre isso? Como uma criança fica do lado de fora enquanto todos dormiam e ela não se deu conta?]


"Ela só se lembra do sonambulismo. Não sei dizer..."


◘[E seu pai, lembra deste episódio em específico?]


"Também não! Pensava que culparia minha mãe de deixar a porta aberta ou até de me esquecer do lado de fora se eu perguntasse. Mas eu precisava saber e um dia contei a ele. Eu já era jovem. Ele ficou sem entender. Cogitou a possibilidade da porta estar destrancada, mas eu havia dito que não conseguia abrir. Não havia como eu sair pois havia uma única porta que dava acesso ao lado de fora. A casa possuía apenas dois cômodos e três janelas: na cozinha, de vidros; no banheiro, bem pequena e no quarto, com uma trava barulhenta por dentro." 


◘[Você não acha era um bebê para ter consciência crítica? Saber o que poderia ou não fazer e qual a conseqüência?]


"Não sei... Não sentia medo de absolutamente nada. Não sei se eu tinha mente crítica. Digo porque a minha memória é bem nítida desde os 4 anos de idade. Não sabia o que era certo ou errado, sabia apenas que meus pais diziam que não podia. Não duvido que sejam lembranças pois, ao longo dos anos aconteceu vez ou outra... De modos diferentes mas aconteceu."




◘[Algo te aconteceu? Te lembra se algum trauma te ocorreu?]


"No período destes eventos nenhum”.




◘[Então, como você chegou lá fora? Vamos considerar o sonambulismo, como você sairia?]


"É isso que não tem explicação. Não havia como eu ter saído. O único lugar realmente acessível pra mim sem que meus pais acordassem era a porta, mas se tivesse sido por ela eu teria entrado."




◘[Você saiu por algum lugar, precisa lembrar. Ou você pode ter tido um sonho durante o sonambulismo.]


"Pelo modo como minhas lembranças estão ordenadas na mente não creio que foi sonho. A lembrança é nítida. Lembro perfeitamente dos sons, do meu lábio encostando-se à madeira da janela, do frio, da Lua, do forçar a maçaneta, de ouvir meu pai roncando. Já havia um cuidado quanto a porta... Para que sempre fosse verificado que estivesse trancada. O cuidado se deve por uma noite terem presenciado eu caminhando em direção a porta que estava aberta."




◘[Talvez você tenha a lembrança, mas, não tem acesso...]


"Se eu tivesse a lembrança, não me lembraria de como sai e entrei do mesmo modo que lembro de todo o resto? E meus pais? Por que não se lembram? Deveriam se lembrar de como entrei, pois eu os chamava... Lembro que na segunda vez, chamei e minha irmã que era bebê acordou minha mãe. Eles eram os adultos, por que não se lembram?"




◘[Concorda que não é normal todos esquecerem?]


"Sim. Mas tudo isso seria apenas uma lembrança vaga ou nem me lembraria se durante os outros anos não tivessem acontecido outras coisas estranhas também..."



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