segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Sensacionalismo às avessas:


'Fantástico' diz que desvendou ‘discos voadores’

Reportagem procurou desmistificar casos clássicos da ufologia brasileira, mas apresentou só um lado da moeda.


Colocando os OVNIs em xeque

Com o título de “Fantástico desvenda supostas aparições de discos voadores”, o programa Fantástico, da Rede Globo, exibido no domingo, 15/08, procurou desmistificar alguns casos clássicos da ufologia brasileira.

O gancho para a reportagem, foi a publicação da Portaria 551/GC3, pelo Comando da Aeronáutica no Diário Oficial da União nº 152, de 10 de agosto, que estabelece o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileira (COMDABRA), sediado em Brasília, como o órgão responsável pelo recebimento e catalogação dos documentos referentes a fenômenos aéreos não identificados ocorridos no espaço aéreo brasileiro.

A reportagem anunciou a publicação da Portaria e em seguida colocou em xeque a existência dos OVNIs, indagando se eles existiriam de fato e apontado o que seriam fraudes em casos clássicos da ufologia brasileira, alguns, registrados faz várias décadas.

Os casos apresentados foram: o da Barra da Tijuca (Rio), quando o fotógrafo da extinta revista ‘O Cruzeiro’, Ed Kéffel alega ter flagrado em fotografia o voo rasante de um disco voador (1952); a Operação Prato, alegada pesquisa militar de OVNIs realizada no interior do Pará (1977); O Caso Varginha, envolvendo suposto aparecimento, apreensão de ET no Sul de Minas, com direito a autópsia do mesmo na UNICAMP (1994) e o caso da Ilha da Trindade, quando o fotógrafo Almiro Baraúna alega ter tomado fotos de um OVNI que sobrevoara o navio militar em que ele e outras pessoas se encontravam (1958).


Exagero versus exagero

Ainda que tenha buscado combater o sensacionalismo e o exagero (naturalmente presentes nos campos da ufologia) o Fantástico não deixou de ser sensacionalista, ao tentar desmistificar casos que, em verdade, são muito mais complexos do que foram apresentados ali, resumidos em poucos minutos de uma curta reportagem.

Fraudes ou não, todos estes casos apresentados envolvem diversos detalhes, entre testemunhas, anotações, gravações, imagens etc. No entanto, o programa alega fraudes de maneira unilateral, apresentando somente relatos ou alegações (sem prova documental) dos respectivos céticos que depõem contra estes casos. Afirmar que o Fantástico “desvendou o mistério dos discos voadores” numa curta reportagem, feita de maneira polarizada como foi essa, é menosprezar o intelecto, não dos simpatizantes da ufologia, mas de qualquer telespectador brasileiro que tenha mais de um neurônio.

De fato, por repetidas oportunidades já publicamos aqui no portal UFOVIA diversas denúncias ou procedimentos exagerados que geralmente ocorrem dentro da comunidade ufológica brasileira, seja por ignorância, seja por esperteza. Mas, daí, a produzir uma reportagem afirmando que desvendou o mistério dos discos voadores, acusando fotógrafos falecidos de fraudadores e não concedendo aos seus representantes legais o mesmo direito concedido aos acusadores, não é somente um ato de extrema falta de ética jornalística, mas um ataque à honra dos falecidos. Além disso, não são fotógrafos e muito menos fotografias da Operação Prato (estas, praticamente sem valor ufológico, pois mostram somente luzes com fundo preto, sem nenhuma referência – por isso mesmo, fáceis de fraudar) que vão validar ou não a existências dos OVNIs. E, no mais, a Operação Prato não consiste somente em tais fotografias, de fato duvidosas, mas numa série de eventos e ocorrências. Sugerir que OVNIs existam ou não por causa de menos de meia dúzia de casos ocorridos no Brasil é, no mínimo, um ato de extrema infantilidade jornalística.


Generalizando o ‘segredo’


Outro grande equívoco dessa reportagem do Fantástico foi considerar que OVNIs se tratem exclusivamente de objetos voadores de natureza extraterrestre, mostrando total ignorância e a dimensão de suas omissões ao abordar o assunto. A reportagem generalizou, quando deveria informar ao público que existem OVNIs, de natureza diversa e que quase a totalidade registrada não é de origem extraterrestre - inclusive, acreditamos, estes, são os que mais interessam à FAB.

Ainda que os casos acerca das fotos de Baraúna e Kéffel sejam, de fato, objetos verdadeiros e não montagem (como alega a reportagem), quem poderia assegurar que os mesmos sejam de origem extraterrestre? O simples fato de que “não conhecemos nada igual”? Da mesma forma, um selvagem isolado do nosso mundo também não conhece nada igual a um isqueiro ou a um celular e para ele, com toda certeza, tais objetos "não identificados" seriam “de outro mundo”. Vã ignorância do desconhecimento.

Se quisesse mesmo “desvendar o segredo dos discos voadores” (e duvidamos que conseguiria...), o programa Fantástico, da Rede Globo, teria que demandar muito mais tempo e deveria ouvir também a outra parte, para contrabalancear as acusações oferecidas pela reportagem, diga-se, de maneira verbal e não documental. Além disso, teria que abrir leques para os milhares de casos ocorridos no Brasil e aos milhões ocorridos por todo o mundo, pelo menos, para a ínfima parte (centenas de milhares) que foi registrada ao longo dos últimos séculos. Ao contrário do que sugere a reportagem, a ufologia não se compõe de uma meia dúzia de casos, muito menos casos ocorridos no Brasil e baseados em fotos, como sugere ao telespectador o programa Fantástico. Os meandros desses assuntos percorrem um intricado de ocorrências bastante complexo, impossíveis de se dar um veredicto, como foi feito "fantasticamente" em poucos minutos na tevê.


Sem direito de respostas

O que foi feito pela reportagem foram acusações sorrateiras, sem oferecer o respectivo direito de resposta; sem buscar ouvir a outra parte - ainda que todas as acusações de fraude realmente procedam do ponto de vista técnico. Também não descartamos tais possibilidades para alguns dos casos apresentados, é verdade, muita coisa foi imposta por ufologistas de maneira a se tornar crível diante aos olhos populares. No entanto, as declarações daqueles que negam estes casos, apresentadas pelo programa, não passam de meras declarações de fé, tal como aquele que alega ter visto um disco voador sem apresentar as devidas comprovações. Foram apresentados pela reportagem somente pareceres e contradições, bastante superficiais, negando a veracidade dos casos apresentados.

Ficou no ar o intuito da reportagem: se desmerecer a publicação da Portaria do Comando da Aeronáutica; fazer um ataque aos exageros de ufólogos e ufólatras que pululam no Brasil ou simplesmente arrebatar ibope, abordando – mais uma vez – de maneira sensacionalista e exagerada (agora pelo lado avesso) o tema “ufologia”.

O Fantástico, mais uma vez, demonstrou o despreparo da mídia brasileira para abordar ufologia. Sempre ciente que o assunto pode alterar o ibope, é verdade, mas sempre agindo de maneira omissa – seja em prol ou contra os ETs. Esta é uma tendência nacional, de se tratar a ufologia em torno de um véu de “mistérios”, “fraudes” e jamais de uma maneira puramente informativa ou didática.

Infelizmente, este programa dominical não é exceção e a ufologia segue sendo mostrada pela maioria das emissoras brasileiras de maneira irresponsável, quando não cômica e absolutamente superficial. A maioria das produções, consiste em pegar eteístas (fanáticos ou alucinados em ETs) para dissertar sobre improváveis teorias envolvendo discos voadores e ETs; ou faz o contrário: convoca céticos radicais para negá-los ao peso de suas imposições pseudo-científicas. Não passa disso. Enquanto o cerne da questão continua inerte.


A confusão dos OVNIs

Se as autoridades da Aeronáutica baixam uma Portaria instruindo procedimentos acerca dos OVNIs, decerto, estes devem existir de alguma maneira. Mas, porque os OVNIs existem, não quer dizer que se tratem necessariamente de “objetos voadores extraterrestres”.

Diversos outros objetos podem ser avistados e registrados como OVNIs, desde lixo espacial, passando por precipitações de rochas siderais (meteoritos), além de astros celestes, aviões clandestinos (como ocorreu na China, recentemente), aeromodelos e diversos experimentos – sobretudo, teleguiados, como drones - de origens desconhecidas às populações. Afora os ETs, tudo isso, que vem do céu é de alto interesse de nossas autoridades, sobretudo, se navegam em espaço aéreo nacional.

Dizer que algo avistado no céu, por mais incrível que se apresente, seja um veículo de uma criatura extraterrestre, é agir como os antigos selvagens das diferentes plagas terrestres, que entendiam a Lua, o Sol e outros astros como sendo os seus deuses. É buscar recursos na crença e não naquilo que pode se configurar, de fato, como realidade.

Do ponto de vista científico, até que se prove o contrário, a vida extraterreste, se existe, não deu as caras por aqui. No entanto, o fato de a ciência ainda não ter comprovado tais alegações, também não invalida que diversas ocorrências vividas por milhões de pessoas espalhadas pelo mundo ao longo dos tempos, envolvendo fenômenos dessa natureza, sejam autênticas. Não devemos esquecer que o limiar de nossa ciência, noutras épocas, já fez muitos homens de bem morrerem queimados, sob a afirmação então "criminosa" de que a Terra era redonda ou que ela girava em torno do Sol.


Como dizia o Barão de Itararé


Acreditamos que muito do incompreensível que envolve a verdadeira ufologia ainda aguarda por tempos futuros, quando tais segredos deverão ser devidamente esclarecidos, sem nenhuma imposição ou exploração da fé alheia, como é feito na atualidade pela maioria dos difusores do tema. Certamente, até lá, nossas ciências acadêmicas deverão se encontrar devidamente dotadas de aparatos que possam discernir à realidade - por mais surrealista que esta possa se apresentar -, de um ato de mentira, de má-fé, de patologia ou da busca por ibope fácil.

Cabe lembrar que ainda em meados do século 20, o espirituoso humorista e jornalista gaúcho Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé (1895-1971), já reparara que, “há algo no céu, além dos aviões de carreira”. E quase um século depois, a FAB, oficialmente, se atentou a isso.

Yo no creo en los ETs; pero que los hay, los hay.

Pepe Chaves
Editor de UFOVIA
pepechaves@gmail.com

Nenhum comentário: